segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A vodca como força política


Em seu livro “O Ano I da Revolução Soviética”, Victor Serge dá destaque à questão do alcoolismo no início do período revolucionário.

Por um curto período, a contrarrevolução certamente imaginou que havia descoberto sua arma mais letal sob a forma do alcoolismo. O plano assustador, concebido em círculos clandestinos e que pretendia afogar a revolução na bebida antes de afogá-la em sangue transformando-a num tumulto de multidões bêbadas, chegou a ser executado seriamente. Em Petrogrado havia adegas fartamente abastecidas com vinho e lojas repletas de licores finos. A idéia de saqueá-las logo surgiria na multidão – mais exatamente, foi incentivada. Grupos frenéticos passaram a invadir as adegas de palácios, restaurantes e hotéis. Era uma loucura contagiosa. Tropas de guardas vermelhos, marinheiros e revolucionários foram destacadas especialmente para combater este perigo.

Em 2 de dezembro, foi preciso criar, em Petrogrado, uma Comissão Extraordinária Especial com plenos poderes para combater a praga. Foram impostas medidas draconianas: saqueadores de depósitos de vinho foram fuzilados sem vacilação. Em um discurso no soviete, Trotsky observou:

“A vodca é uma força política tanto quanto a palavra. É a palavra revolucionária que leva os homens a lutar contra seus opressores. Se não conseguirmos barrar o caminho que leva aos excessos na bebida, tudo o que restará para nossa defesa serão carros blindados sem tripulantes. Lembrem-se: cada dia de embriaguez aproxima o outro lado da vitória e da velha escravidão”.

“Em uma semana, o mal estaria sob controle”, diz Serge. Mas o alcoolismo jamais deixou de ser epidêmico na Rússia, antes, durante e após o período soviético. Talvez, nem sempre tenha sido tão contrarrevolucionário.

A luta de Marx contra a burguesia e seus furúnculos



Marx levou 15 anos para escrever o primeiro volume de “O Capital”. Principalmente, devido a seu perfeccionismo doentio e à complexidade do objeto de estudo.

Mas nos quatro ou cinco anos antes da publicação, surgiu um problema muito pior: furúnculos. E também carbúnculos, que são aglomerados de furúnculos.

O problema era tão grave que aparece com muita frequência em sua correspondência entre 1864 e 1868. Incluindo momentos em que sua vida correu risco.

Em carta a Karl Klings, de outubro de 1864, por exemplo, ele diz que ficou doente durante todo o ano anterior devido às terríveis feridas.

Se não fosse por isso, diz Marx, meu trabalho sobre economia política, "O Capital", já teria saído. Espero poder completá-lo em alguns meses, atingindo a burguesia com um golpe teórico do qual nunca poderá se recuperar.

Em fevereiro de 1865, Engels escreveu:

Estou um pouco preocupado por não tido notícias suas hoje, em vista dos furúnculos e carbúnculos que você mencionou nos lugares mais interessantes (ou melhor, mais interessados).

Escrevendo a Engels, um ano depois, Marx informa que ele mesmo tomou a iniciativa de lancetar uma das feridas, já que não poderia “permitir aos médicos que lidassem com minhas partes mais privadas ou suas vizinhanças”.

Finalmente, em junho de 1867, o primeiro volume estava pronto. E feliz com a aprovação de Engels, Marx escreveu:

Que você tenha ficado satisfeito é agora mais importante para mim do que qualquer coisa que o resto do mundo possa achar. De qualquer forma, espero que a burguesia se lembre dos meus carbúnculos até o dia de sua morte.

Que assim seja!


Quando não há recuos porque não houve avanços


Desde a posse do governo golpista, a sucessão de retrocessos sociais e políticos acelerou fortemente. As poucas conquistas populares que não eram letra morta na legislação estão sendo eliminadas.

O conservadorismo atinge com rapidez e violência quase inédita todas as frentes de luta: trabalhista, ambiental, feminista, antirracista, sexual, educacional, agrária, indígena e direitos humanos em geral. Mas há uma exceção importante. A democratização dos meios de comunicação.   

Em 21/11, A organização Repórteres Sem Fronteiras e o coletivo Intervozes apresentaram o relatório “Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil”. O levantamento envolveu os 50 veículos de comunicação com maior audiência no Brasil e os 26 grupos econômicos que os controlam.

Apenas um dos dados ajuda a entender todo o resto e mais além: 80% dos grandes grupos de mídia estão localizados nas regiões Sul e Sudeste do país. E a região metropolitana de São Paulo abriga 73% das empresas do Sudeste.

Toda essa concentração coincide e faz parte da concentração de poder econômico, político e social do país. Os mesmos grupos não apenas asseguram a defesa de seus interesses pelos Três Poderes. Eles também as justificam pelos meios de comunicação que controlam tranquilamente há muitas décadas.

É a maior prova de que o monopólio dos meios de comunicação é um pilar fundamental da dominação capitalista, em especial no Brasil. É a disputa de hegemonia feita de forma tão eficiente que faz parecer que o direito a informação é o único a se manter firme frente à atual onda conservadora.

Realmente, não há recuo possível se não houve avanço algum. Parabéns aos envolvidos. Parabéns para nós!
http://pilulas-diarias.blogspot.co/2017/11/quando-nao-ha-recuom.brs-porque-nao-houve.html

Inteligência Artificial: temor religioso


“Dentro da primeira igreja de Inteligência Artificial” é uma reportagem de Mark Harris, publicada por Wired em 15/11.

Trata-se de “Caminho do Futuro”, recém criada por Anthony Levandowski, engenheiro conhecido por ter desenvolvido carros autônomos.

Sua missão? "Realização, aceitação e adoração de uma divindade baseada na Inteligência Artificial desenvolvida através de softwares e hardwares de computador".

A matéria traz inúmeros depoimentos tão coerentes quanto espantosos de Levandowski. Por exemplo, ao definir a divindade que cultua:

Não é um deus no sentido de causar um raio ou furacões. Mas se existe algo um bilhão de vezes mais inteligente que o ser humano mais inteligente, de que mais o chamamos?

Por trás do projeto, precaução:

No futuro, se algo for muito, muito mais inteligente, haverá uma transição sobre quem está no comando de verdade. O que queremos é a transição pacífica e tranquila do controle do planeta dos humanos para o que for. E garantir que esse “o que for” saiba quem o ajudou.

Quase covardia:

Adoraria que a máquina nos enxergasse como seus queridos anciãos nos respeitando e cuidando de nós. Gostaríamos que esta inteligência dissesse: “Os humanos devem continuar tendo direitos, mesmo que eu esteja no comando”.

Precisamos aprender a nos comportar como um animal doméstico. Trabalho duro e respeito pelo dono ou castigo.

Vale até comparação com uma criança peralta. É preciso tentar corrigi-la sem usar agressividade. Do contrário, ela não “será nada amigável quando a situação se inverter”.

Seria como surrar o trombadinha na infância e encontrá-lo, já adulto, como o traficante dono do pedaço.

Como em muitas religiões, o temor é fundamental.

http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2017/11/inteligencia-artificial-temor-religioso.html


domingo, 26 de novembro de 2017

HÁ UM CHEIRO DE 1989 NO AR. TEMOS DE EVITAR QUE BOLSONARO REPITA COLLOR!


Presidente saído de um caldeirão? Não colou...
As escaramuças da eleição presidencial de 2018 já estão em curso. A disputa é pela posição de candidato da centro-direita, o provável vencedor.

Sei que esta afirmação chocará os sebastianistas das redes sociais, que sonham com a volta de Lula. Paciência. Não escrevo artigos para torcer por um ou outro candidato, mas sim para mostrar aos meus leitores o que está por trás daquilo que a grande imprensa induz seus públicos a tomarem como verdadeiro.

P. ex., quando vejo pesquisas de opinião que apontam favoritismo do Lula, logo me pergunto por que estão sendo feitas e divulgadas agora. Pois, pela experiência de outros carnavais, sei que as pesquisas são trombeteadas quando convém e ocultadas quando convém. Neste momento, interessa aos donos do PIB e da mídia erguerem o espantalho do Lula. Por quê?

Talvez para que se defina logo quem será o anti-Lula, pois essa gente não gosta de correr riscos. De preferência, prefere saber logo em qual cavalo apostará.

Evidentemente, a sensação de alarmismo que se tenta insuflar tem mais a ver com manobras em curso do que com verdadeira apreensão com relação a uma possível vitória de Lula, até porque os poderosos sabem que dele só têm a esperar que acenda uma vela para os exploradores e outra para os explorados, como sempre fez. Quem ainda hoje associa sua imagem à dos Sarneys e Renans da vida não leva jeito de se haver tornado um perigoso radical...   
Esperança do Bolsonaro é impor-se como o anti-Lula

Ademais, muita água passará por baixo da ponte até outubro e o balão Lula poderá ser esvaziado de várias maneiras. Eis algumas:
  1. a melhora da situação econômica (prevê-se crescimento do PIB no próximo ano, algo em torno de 4%) é sempre favorável aos candidatos do sistema, pois o povo passa a temer que os candidatos contrários ou aparentemente contrários ao sistema tragam de volta a recessão);
  2. na reta final do 1º turno a mídia pode mudar a tendência do eleitorado com um esforço concentrado contra Lula, reavivando a lembrança de todas as maracutaias denunciadas nos últimos anos;
  3. e, claro, ele pode ser tirado da disputa pela via judicial.
A terceira possibilidade já poderia ter ocorrido. Por que a protelação? Talvez estejam esperando para ver se precisarão mesmo recorrer a algo tão drástico. Pegaria mal e provocaria reações, embora não apocalípticas como os petistas supõem. De qualquer forma, creio tratar-se de um cartucho que eles não queiram queimar sem extrema necessidade. 

O quadro atual me lembra muito a campanha sucessória de 1989. Assim como está sendo feito agora, havia ações concertadas da grande imprensa (entrevistas simultâneas nas várias mídias, pesquisas favoráveis, matérias de capa nas revistas semanais, etc.) para levantarem candidaturas mais apetecíveis para o sistema: tentaram com Aureliano Chaves, com Mário Covas, com Guilherme Afif Domingos, mas nenhum deles colou, assim como acaba de não colar a levantada de bola para o Luciano Huck.
O pesadelo que mais nos aflige: uma repetição da História.

Fernando Collor não era o candidato preferido pelo sistema, pelos mesmos motivos que Jair Bolsonaro não o é: grandes empresários são conservadores e temem radicalismos, mesmo os de direita, porque causam instabilidade no mercado e atrapalham sua faina principal, a de ganharem mais e mais dinheiro.

No entanto, quando todo o mais não resultou, o sistema engoliu o Collor e passou a trabalhar com força total em seu favor. 

[Mesmo assim, ainda foi tentada uma jogada alternativa de última hora com Sílvio Santos, mas sua candidatura foi impugnada pela Justiça Eleitoral porque o PMB não fizera convenções eleitorais em pelo menos nove estados.] 

E os poderosos tiveram de engolir o Collor; de tão indigesto, acabaram  sendo depois obrigados a cuspi-lo...

Temo muito uma repetição da História, ou seja, que a desmoralização do sistema e dos candidatos que a ele servem habitualmente dê ensejo à eleição de um outsider: um pretenso salvador da Pátria, que também não passa de uma criatura do sistema, mas não é visto pelo povo como tal.
Tudo de que não precisamos: um discípulo dele na Presidência.

E Bolsonaro, o herdeiro espiritual do Brilhante Ustra, é muito pior do que Collor! 

Ademais, sabe-se lá como reagiria o Trump se o Brasil elegesse um sub-Trump (fico me lembrando de quando os EUA eram amigos desde criancinhas da ditadura brasileira, "para onde se inclinar o Brasil se inclinará toda a América Latina", etc.).

E o que deveria fazer a esquerda, para afastar tal pesadelo? A receita eu dou, mas sem a mínima esperança de que os atores políticos decidam com realismo e desprendimento desta vez (já deixaram de fazê-lo tantas e tantas vezes!):
  • desistirem da candidatura do Lula, não só porque o sistema tem como neutralizá-la, mas também porque o cenário mudou radicalmente desde a década passada e já não existe lugar para a conciliação de classes e o reformismo (um terceiro mandato do Lula seria tão desastroso quanto o segundo da Dilma);
  • lançarem uma candidatura única da esquerda (de preferência escolhendo uma nova liderança, um nome não identificado com os erros do passado, como o Guilherme Boulos), que não mais se propusesse a gerenciar o capitalismo para os capitalistas, mas sim a lutar contra o capitalismo, a única postura cabível neste momento em que a crise capitalista se agrava no mundo inteiro; e
  • havendo 2º turno, apoiarem o adversário do Bolsonaro, seja quem for (pior é impossível!).