quarta-feira, 18 de maio de 2016

Uma grande Honduras, uma grande Grécia


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Por Marcelo Zero, via Brasil 247
Por causa do golpe, o Brasil se converteu, aos olhos do mundo, numa espécie de grandeHonduras. Um país sem instituições democráticas sólidas, instável, sujeitos a golpes de todos os tipos. Uma típica e caricata república de bananas.
Graças ao golpe, o Brasil se converteu em motivo de chacota em todo o mundo. Nunca a imagem do nosso país esteve tão baixa. Até mesmo jornais conservadores, como oNew York Times, fazem editoriais condenando o golpe e afirmam o óbvio: a destituição de Dilma Rousseff piorará a crise política brasileira. Já a nossa mídia plutocrática e bananeira dedica-se, agora com vocação para grande partido da situação, a ocultar o óbvio e a defender o indefensável.
Por sua vez, a reação do governo golpista relativa à imagem internacional negativa do golpe é previsível. Já começaram de novo a falar grosso com países como Bolívia e El Salvador, mas preparam-se para falar fininho, bem fininho, com países como os EUA, em negociações comerciais assimétricas.
Agora, o circo de horrores legislativo da sessão da Câmara do dia 17 abril foi substituído pelo circo de horrores executivo de um ministério composto exclusivamente por homens brancos (velhos e ricos), quase todos acusados de alguma irregularidade, a exalar misoginia, racismo, incompetência técnica econservadorismo extremo.
A extinção do Ministério da Cultura, uma conquista da jovem democracia brasileira, e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial da Juventude e dos Direitos Humanos completa o quadro tenebroso e simbólico dos retrocessos democráticos. A nomeação de um Ministro da Justiça especializado na repressão a estudantes e movimentos sociais desnuda a intenção de lidar com reivindicações legítimas com o uso ilegítimo da força bruta. Já a extinção da CGU demonstra o grau de compromisso do governo golpista com o combate à corrupção.
Mas isso foi apenas o começo. Vem aí o grande circo de horrores do programa do golpe. Muito maior e ainda mais horrendo. Vai eclipsar, com folga, o circo de horrores do golpe em si.
Como já havia mencionado em artigos anteriores, o programa do golpe, a "Pinguela para o Passado", destina-se a acabar, mediante um só golpe (o trocadilho é intencional), com o legado social de Lula, de Ulysses Guimarães e de Getúlio Vargas.
Com efeito, não se trata somente acabar com ou reduzir drasticamente os legados sociais de Lula/Dilma, como os relativos ao Bolsa Família, ao Mais Médicos, aoMinha Casa Minha Vida, ao Prouni, ao Fies ou a política de valorização do salário mínimo. Não se trata somente de voltar ao status quo ante do neoliberalismo que vigia na época do tucanato. É muito pior. A ideia aqui é desconstruir toda uma arquitetura histórica de direitos sociais e mecanismos econômicos que, bem ou mal, apontam para a criação de um capitalismo minimamente civilizado no país.
Assim, o golpe é também contra a Constituição Cidadã, ou Constituição Social, de 1988. A tese dos golpistas é que os direitos sociais assegurados na Carta Magna, como o da irredutibilidade dos salários, o do salário mínimo real capaz de assegurar uma sobrevivência digna, saúde, educação, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, etc. "não cabem no orçamento". Daí a proposta de extinguir os mínimos percentuais orçamentários que a Constituição prevê para serem investidos nessas áreas sociais.
Os golpistas querem o "orçamento de base zero", isto é, a desvinculação de todas as receitas e gastos sociais existentes. Assim, não haveria mais pisos constitucionais mínimos para saúde, educação e outras despesas sociais. Também querem desvincular o salário mínimo das aposentadorias pensões e outros benefícios previdenciários.
A Constituição Cidadã seria, dessa forma, substituída por uma Constituição Empresária, que asseguraria a realização de superávits primários, o pagamento aos rentistas e taxas de lucro que "estimulariam a retomada do crescimento".
Em suma, os golpistas querem repor a nossa triste tradição histórica de colocar nas costas dos trabalhadores o custo da superação da crise. Querem também a volta da desigualdade como fator que estimularia um novo ciclo de crescimento concentrador e excludente, como o ocorrido na ditadura. Querem até mesmo acabar com proteção trabalhista assegurada pela CLT de Getúlio Vargas.
A "Pinguela para o Passado", se implantada em todo seu esplendor reacionário, vai nos reconduzir à República Velha, quando a questão social era "caso de polícia".(Alexandre de Moraes: presente!) Nesse sentido, o novo ministro da Justiçaparece ter sido escolhido a dedo.
Em interessante e reveladora atitude "sincericida", Moreira Franco já deixou claro que pretende focar o Bolsa Família nos 5% mais pobres, o que excluiria do programa cerca de 30 milhões de pessoas.
Outra atitude "sincericida" foi a do novo Ministro da Saúde, que declarou, com todas as letras, que o país não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante –como o acesso universal à saúde– e que será preciso repensá-los.
Foi ainda mais sincero em seu exemplo do que precisa ser feito no Brasil:
"Vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e em outros países que tiveram que repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de sustentá-las".
Inacreditável. O novo ministro usou a Grécia, exemplo mais bem-acabado das políticas de austericídio, do que não deve ser feito, para apontar o caminho que o Brasil deve seguir.
Mais claro impossível. Além de nos transformar numa grande Honduras, exemplo de desastre político, querem nos transformar também numa grande Grécia, exemplo de desastre social e econômico.
Haja República Velha!

“As elites tradicionais voltaram ao poder no Brasil e fazem o que querem”, diz jornal alemão


Roberto, Erasmo e Imperial

Em artigo publicado na emissora pública alemã Deutschlandfunk neste sábado (14/05), o correspondente do jornal Die Zeit no Brasil, Thomas Fischermann, comenta a composição do ministério recém-nomeado pelo presidente interino Michel Temer.
“Nenhum negro faz parte dele [do ministério] – e isso neste colorido país de tantas culturas. E também nenhuma mulher. O Ministério das Mulheres [e da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos] foi até extinto”, escreve. Fischermann questiona se a escolha da nova equipe do governo é um reflexo da “estupidez ou do desespero”.
Para o jornalista, Temer acaba de enviar um sinal claro de que os velhos tempos estão voltando ao Brasil. “As elites tradicionais voltaram ao poder. E elas fazem o que querem”, comenta.
Em meio a um país polarizado, em que muitos classificam o processo de impeachment contra Dilma Rousseff como um golpe de Estado, Fischermann reconhece que o afastamento da presidente não teria sido alcançado se ela tivesse feito uma política bem-sucedida. Mas ela falhou em meio à crise econômica, diz.
O jornalista afirma que os planos para a economia da “equipe de limpeza à La Temer” até parecem bons. “São prescrições econômico-ortodoxas para conseguir mais segurança e estabilidade para empresários, para mais investimentos no país e uma redução do aparato do Estado.” (Que merda de análise)
No entanto, a pergunta é por quanto tempo a política “à la Temer” irá bem, escreve Fischermann. “Muitos temem que sua falta de jeito ao compor seu gabinete seja um indicativo para o futuro”, diz.
À base de poder do presidente interino pertencem barões de regiões de minas e agrícolas, reis da motosserra do Amazonas e capitães da indústria de ramos da economia dependentes de subvenções, comenta o jornalista. “E não são poucos deles que são alvo de acusações de corrupção, e alguns devidamente condenados”, conclui.
Publicado na DW
Via DCM 

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Se vingarem os cortes, Educação e Saúde perderão anualmente R$ 172 bi


Ações de Temer começam a justificar os memes que surgiram depois que o governo anunciou seu novo slogan, “Ordem e Progresso”
Por Luís Francisco, no Viomundo
Se Michel Temer cumprir o que sinalizou ao mercado, o seu governo usurpador retirará R$ 362 bilhões da Educação e R$ 326 bilhões da Saúde nos próximos quatro anos.
Explico.
Em 2015, o senador Dalirio Beber (PSDB-SC) apresentou a Proposta de Emenda à Constituição nº 143 (PEC 143/2015), que desvinculava os recursos para Educação e Saúde em 20% por um período de 8 anos, entre 2016 a 2023, e atingiria somente os Estados e Municípios.
O projeto disponível no portal do Senado não informa o total de recursos a serem retirados da Educação e Saúde nem o destino deles.
Em 6 de abril de 2016, ao relatar a PEC 143/2015 na Comissão de Constituição e Justiça, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) apresentou uma emenda que elevou o percentual de desvinculação para 25% e incluiu o governo federal, além das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico (Cide-combustíveis).
Em 13 de abril, o Senado aprovou em primeira votação o relatório de Romero Jucá, mas fez duas importantes modificações: retirou da PEC 143/2015 a desvinculação dos gastos com Educação e o prazo de validade foi reduzido de oito para quatro anos.
Porém, com a aprovação do impeachment pela Câmara em 17 de abril, o panorama mudou mais.
Michel Temer sinalizou ao mercado que quer acabar de vez com as vinculações constitucionais para Saúde e Educação.
Romero Jucá, agora ministro do Planejamento, declarou:
“o governo tem pressa para reanimar a economia. Entre as propostas, está elevar a alíquota da Desvinculação de Receitas da União (DRU),  de 20% para 30%, o que dará uma flexibilidade à alocação dos recursos públicos”.
Em termos de recursos, quanto representa isso?
Nós fizemos um levantamento junto ao Tesouro Nacional, com base em dados de 2014 de informações prestadas pelos governos municipais, estaduais e federal. Ele permite-nos verificar o tamanho do ataque às áreas de Educação e Saúde.
Lembrem-se que a PEC 143/2015 prevê cortes nos próximos quatro anos.
Assim, se os cortes se concentrarem na Saúde, a possível redução seria de aproximadamente R$ 81 bilhões por ano, provavelmente a partir de 2017, já que o projeto terá de ser votado também na Câmara dos Deputados.
Em quatro anos, deixariam de ser aplicados R$ 326 bilhões. Ou seja, mais do R$ 272 bilhões que foram gastos apenas em 2014 pelos governos municipais, estaduais e federal.
Se vingar a sinalização de incluir  também a redução de 30% na Educação, o quadro será mais dramático.
A medida implicaria em corte anual de R$  90,6 bilhões. Isso significaria R$ 362 bilhões a menos em quatro anos, podendo inviabilizar o Plano Nacional de Educação, como já está sendo apontado por vários especialistas.
Juntando Educação e Saúde os cortes somariam aproximadamente R$ 172 bilhões  por ano. Assim, no período de quatro anos as perdas chegariam a R$ 689 bilhões.
Como os pobres são os que dependem mais de hospitais e escolas públicos, eles serão os grandes prejudicados com a desvinculação dos recursos, pois os serviços serão obviamente precarizados.
Desvincular significa deixar de aplicar os percentuais hoje obrigatórios pela Constituição.
Na Educação, a União tem de aplicar 18%, enquanto estados e municípios 25%. No Estado de São Paulo, especificamente, este percentual é de 30%.
Já na Saúde, o percentual da União depende do PIB, enquanto os Estados têm de aplicar 12% e os municípios 15%.
Esses recursos que serão “roubados” da Saúde e da Educação poderão ser transferidos para outras áreas. Ou simplesmente não serem gastos. Serão usados para compor o superávit primário, ou seja: recursos reservados para o pagamento de juros e de amortização da dívida pública.
Garante-se, assim, o pagamento de mais juros aos rentistas, principais artífices do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff.
Ironicamente, os que, em 2014, exigiram o padrão FIFA na Educação e Saúde e apoiaram o impeachment agora poderão comemorar que os pobres pagarão os custos da crise.
No caso da Educação, se houver os cortes sinalizados por Temer ao mercado, ficará claro por que o governo usurpador mudará o slogan de “Pátria Educadora” para “Ordem e Progresso”.
O “Ordem e Progresso”, além disso, simboliza voltar ao passado com slogan baseado no positivismo e que foi aplicado em 1891 por Floriano Peixoto, o primeiro vice-presidente do Brasil, apelidado de Marechal de Ferro, pela repressão violenta aos contestadores.
Tempos sombrios se iniciam. Ou lutamos desde já ou pagaremos uma conta alta que inviabilizará o futuro dos mais jovens e dos pobres.


Gilmar é a Ivete Sangalo do direito



Por Juliano Zaiden Benvindo, via Jornal GGN

(...)

Bem, minha opinião: é um dogmático, compilador de jurisprudência e de alguma doutrina, mas não tem nada de especial. Como teórico, fica bem a desejar. Seu raciocínio tende mais para uma perspectiva “manualesca” do que efetivamente acadêmica. O propósito também parece ser mais construir obras que dão lucro (aliás, muito lucro), do que aprofundar temáticas complexas do constitucionalismo. Vende seus livros como água, mas que pouco agregam a nossa cultura constitucional. Quando tenta fazer algo, muitas vezes parece ligado a uma estratégia de poder, com uma ênfase clara em dar ao STF poderes que nem de longe tem ou deveria ter. Aliás, em várias passagens, há falácias históricas e teóricas que, para um bom entendedor, doem na alma. Verdades construídas e bem longe de serem constatadas. Traduções fora de contexto. Autores fora de contexto. Cansei de ver exemplos, já escrevi artigos a respeito e até mesmo orientei trabalhos nessa linha.

(...)

Mas, no fundo, para quem tem um pouco de amor pela música, sabe que não é a Ivete que fará diferença, mas o Baden Powell, o Tom Jobim, o Ernesto Nazareth, a Dolores Duran, a Mayza Matarazzo, o Luiz Bonfá e tantos outros. Pois, afinal, não basta ser afinadinho – Chet Baker que o diga. Saber, portanto, compilar jurisprudência e doutrina com algumas conclusões seria o ser “afinadinho”. Mas isso é muito pouco. Em termos diretos, quero dizer que devemos ter menos “afinadinhos” e mais Chet Bakers. Em outros palavras, queremos ter, em nossa cultura constitucional, menos Ivetes e mais Badens.

(...)
http://blogdoitarcio.blogspot.com.br/2016/05/gilmar-e-ivete-sangalo-do-direito-por.html

domingo, 15 de maio de 2016

O Judiciário e o Ministério Público não barraram as ofensas contra a democracia porque eram parte da conspiração



A estratégia do golpe institucional, com papel ativo do baixo clero do Legislativo e de instâncias judiciárias (o juiz de primeira instância Sérgio  Moro e o Supremo Tribunal Federal), e ação publicitária dos meios de comunicação tradicionais (TV Globo e a chamada grande imprensa)  começou a ser desenhada no chamadoEscândalo do Mensalão. Um ano antes das eleições presidenciais que dariam mais um mandato ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o país foi sacudido por revelações de que o PT usara  dinheiro de caixa dois de empresas para pagar as dívidas das campanhas das eleições municipais do ano anterior, suas e de partidos aliados. O tesoureiro do partido, Delúbio Soares, era o agente do partido junto a empresários e a uma lavanderia que até então operava com o PSDB de Minas, a agência de publicidade DNA, de Marcos ValérioDelúbio tornou-se réu confesso. Outro dirigente do partido, Sílvio Pereira, foi condenado por receber um Land Rover de presente de um empresário. 
Em torno do episódio – crime de captação de caixa dois pelo partido que está no governo e recebimento de presentes em troca de favores – se iniciaria a maior ofensiva institucional contra um partido político jamais ocorrida em períodos democráticos do país. Toda a máquina midiática tradicional foi colocada a serviço de provar – com fatos amplificados, versões ou falsificações – que o governo de Lulaestava corroído pela corrupção, que o PT aparelhara a máquina pública para auferir ganhos desonestos para o partido ou para os seus aliados, que o governo corrompera os aliados – ironia das ironias, os “corrompidos”, os partidos da base aliada, eram o PMDB, o PTB, o PP, o PR.... – com mesadas para os parlamentares, destinadas a garantir as maiorias em plenário necessárias para aprovar matérias de interesse do Executivo. O termo “mensalão” foi criado nessa jogada de marketing, destinada a transformar um escândalo de caixa dois, no qual todos os partidos estavam envolvidos (a lavanderia de Marcos Valério não tinha restrições ideológicas à adesão de qualquer um deles), em um modo peculiar de corrupção do PT, a compra direta do parlamentar, sem que em nenhum momento houvesse sido provado o pagamento regular a deputados e senadores da base aliada. Afinal, o dinheiro da lavanderia deMarcos Valério foi direto para o caixa dois de outros partidos políticos, no período pós-eleições municipais – e o “denunciador” do mensalão, o presidente do PTB,Roberto Jefferson, chegou a confessar, quando se viu em tribunal, que  dinheiro era para pagamento de dívidas de campanha. 
Para ser corrupção, todavia, era preciso que se caracterizasse o dinheiro do caixa dois como originário dos cofres públicos. O Ministério Público, então presidido peloprocurador Antônio Fernando de Souza, hoje advogado do deputado tardiamente afastado da presidência da Câmara, Eduardo Cunha, inventaria a ficção de um dinheiro desviado da empresa Visanet pelo diretor de Marketing do Banco do Brasil,Henrique Pizzolatto. A Visanet era uma empresa privada, do grupo internacional Visa, e esse dinheiro foi tratado indevidamente como produto de desvios do Banco do Brasil, estatal, num julgamento na maior instância judiciária do país, que não poderia se dar ao luxo de um erro deste tamanho. Pizzolatto não tinha autonomia para assinar uma única ação de marketing sozinho. A “prova” que Souza apresentaria contra ele, aceita pelo relator Joaquim Barbosa, do STF, foi assinada por outras três pessoas e submetida a um comitê, e depois à diretoria de um banco – a ação publicitária, ao final, fora autorizada por mais de uma dezena de pessoas. Não existia possibilidade de que Pizzolatto tivesse desviado o dinheiro:  para isso, teria que ter mais de dez cúmplices, e ainda assim atuaria sobre dinheiro privado, que não era doBanco do Brasil.

Supremo Tribunal Federal, nas vésperas da eleição de 2014, julgou midiaticamente o caso e perpetrou barbaridades jurídicas nunca antes vistas na história desse país. O relatório do ministro Joaquim Barbosa transformou um crime de captação de caixa dois em desvio de dinheiro público, e jogou as provas de que o dinheiro definitivamente não havia sido desviado do Banco do Brasil para um inquérito paralelo. Por fim, decretou segredo de Justiça. Sequer os advogados de defesa tiveram acesso a elas. Também não tiveram acesso a provas da origem do dinheiro lavado por Marcos Valério: a transferência de fartos recursos do caixa deum empresário interessado em decisões de governo (que não foram tomadas, inclusive por oposição do ministro José Dirceu, condenado sem provas), repassados aos partidos da base aliada. O empresário em questão chegou a aparecer no início do escândalo na mídia e sumiu como um fantasma das páginas dos jornais e dos inquéritos policiais e judiciais.

Com a opinião pública dominada por uma campanha diária de nove anos, o STFlegitimou sua decisão de avalizar as conclusões de Barbosa, acatou o estranho instrumento do “domínio do fato” e, a partir disso, a pretexto de ouvir a voz das ruas, aceitou as barbaridades que seriam praticadas pelo Ministério Público e pela justiça de primeira instância na Operação Lava Jato, nos últimos três anos.

STF transformou um crime de caixa dois em crime de corrupção, de formação de quadrilha, etc. etc. sem provas. Dos réus que foram condenados, alguns cometeram crimes, mas não os que os levaram para a prisão; outros eram inocentes de quaisquer crimes e foram condenados assim mesmo. Poucos foram condenados por crimes que efetivamente cometeram. A Agência DNA foi punida por atuar como lavanderia do PTe dos partidos aliados, mas tardiamente responsabilizada pelo Mensalão do PSDB(que vai deixar todos os implicados soltos até a prescrição do crime, o mesmo que levou o PT e seus aliados à cadeia). O deputado José Genoíno, então presidente doPT, foi preso por um empréstimo efetivamente feito pelo partido e quitado no prazo estipulado em contrato. Dirceu foi eleito o vilão nacional e encarcerado – e de novo encarcerado no Lava Jato – sem nenhuma prova contra si. E Pizzolatto, depois de uma fuga sensacional, amarga cadeia porque, junto com um comitê de dezenas de pessoas, autorizou uma campanha publicitária do Banco do Brasil paga pela Visa Internacional. Alguns membros do mesmo comitê respondem a um processo na primeira instância que está esquecido na gaveta de um juiz da capital federal

Desde então, o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal se constituem em peças fundamentais nas articulações contra os governos petistas, iniciadas em 2005 e que tiveram desfecho no golpe institucional deste 2016. Eduardo Cunha e Michel Temer não existiriam sem a cumplicidade das duas instituições e a inexplicável ingenuidade do PT: o mesmo partido que em determinado momento se dispôs a jogar com as armas da política tradicional, indo à cata de dinheiro de caixa dois das empresas para financiar campanhas eleitorais, não entendeu a natureza da elite que o financiava, nem a impossibilidade de acordo com a política tradicional e com instituições de vocação conservadora que mantiveram seu perfil conservador e corporativo, apesar de seus membros terem sido majoritariamente escolhidos pelos presidentes petistas. O PT não entendeu que jogava as suas fichas, a nível institucional, numa política de conciliação de classes num quadro onde as próprias políticas do governo davam as bases para uma acirrada luta de classes, que se tornou explícita quando o golpe começou a mostrar sua cara. Essa foi uma contradição inerente aos governos petistas. Na campanha eleitoral de 2014, a presidenta Dilma Rousseff venceu no segundo turno porque rapidamente as forças de esquerda se articularam em torno dela, em reação à onda de comoção criada pela direita, que se utilizou do clima proporcionado pelo julgamento político levado a termo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poucos meses antes do início do processo eleitoral, no chamado caso do mensalão; e pela entrada em cena do juiz de primeira instânciaSérgio Moro que, aproveitando-se das licenças jurídicas a que se permitiu o STF em 2013, fez o seu próprio tribunal político, fechando o cerco ao PT por um esquema de corrupção na Petrobras que – basta ler com atenção as delações premiadas – era enraizado na empresa e mantinha em diretorias protegidos de partidos que estavam aliados aos governos petistas depois de 2002, mas igualmente aos governos anteriores, do PSDB e do PMDB e do governo Collor

Já são 11 anos de massacre, com armações com grande similaridade. O Ministério Público encontra um escândalo qualquer e começa a investigar, considerando provas basicamente de um lado. Sem consistência para pedir um inquérito, vaza os dados para um órgão de imprensa, que os publica como grande escândalo, desconhecendo o fato de que as provas não existem. Imediatamente, a matéria do jornal, baseada em vazamentos do próprio MPF, vira o indício que o MPF usa para pedir ao juiz – a Moro, ou ao STF, ou a algum outro  – para abrir o inquérito. No caso de Moro, seguem-se prisões sem base legal e coações à delação premiada. Chovem no Youtube reproduções de interrogatórios presididos pelo próprio juiz Moro onde ele deixa claro ao interrogado – normalmente um velho com problemas de saúde -- que será libertado apenas se delatar; e de advogados protestando contra ele por não considerar sequer uma prova apresentada pela defesa antes de condenar um implicado. Nesses vídeos, é claro que Moro está investido da intenção de condenar antes de ouvir a defesa. Para ele, não existem inocentes em um campo político. No outro campo político, suas intenções são dóceis. O justiceiro é bastante permissivo com o campo político da direita.

Nada justifica que um juiz de um tribunal de exceção sobreviva numa democracia com amplos poderes, acima daqueles que a Constituição lhe confere, sem a aquiescência da maior instância judiciária. Moro existe e faz o que quer porque o sistema jurídico está contaminado pelo partidarismo. Moro não existiria sem umBarbosa que o precedesse. Moro não existiria sem o ministro Gilmar Mendes, que impunemente transformou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em palanques contra os governos do PT. Não existiria sem o ministro Dias Toffoli, que se tornou moleque de recados de Mendes; sem a tibieza das duas ministras mulheres; sem o conservadorismo ideológico de Teori Zavascki (que contamina o seu discernimento jurídico); sem a falsa objetividade jurídica de Celso Melosem a frouxidão de Edson Fachin; sem a excessiva timidez de Ricardo Lewandowiski. A Justiça não evitou o golpe porque é parte do golpe. O Ministério Público não reagiu ao golpe porque era um dos conspiradores.