sábado, 9 de agosto de 2014

Alckmin, a crise da água e o sequestro da técnica pela política autointeressada



GGN

"Conforme se agrava a crise da água em São Paulo, algumas verdades passam a vir à tona. Ontem, passou praticamente incólume uma história que, se tivesse ocorrido em nível federal, ensejaria um clamor midiático incomensurável pela criação de CPIs, por demissões e, por que não, pelo impeachment do Chefe de Governo. O escândalo em questão é a notícia, veiculada pelo Estadão de ontem com exclusividade, de que a SABESP preparou e apresentou formalmente ao DAEE (órgão estadual regulador) um plano de racionamento do Cantareira ainda em Janeiro deste ano, tendo sido a proposta rejeitada pelo Governador Geraldo Alckmin. Os links para as notícias podem ser acessados aqui:http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,rodizio-de-agua-era-1-opcao-da-sabesp-plano-foi-entregue-em-janeiro,1539913 e http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,alckmin-diz-que-plano-de-rodizio-da-sabesp-para-o-cantareira-e-inadequado,1540347 .

Em outras palavras, ainda que haja uma série de reparos que possam ser feitos à atuação técnica da SABESP, há que se notar que houve, sim, manifestação razoavelmente tempestiva por parte de seus quadros táticos e operacionais a respeito da gravidade da crise. No entanto, esse posicionamento técnico foi desconsiderado e desrespeitado pelos níveis estratégicos da SABESP e pelo alto escalão do governo. A colocação dos interesses políticos imediatos acima dos diagnósticos técnicos não é mais, então, apenas uma hipótese: é a realidade concreta consubstanciada na inacreditável fala de Alckmin contida na notícia publicada ontem: “Alckmin diz que o rodízio da SABESP para o Cantareira é inadequado”.

Por suposto, ainda que reversões de decisões técnicas pelos setores políticos possam vir a ocorrer com absoluta legitimidade a partir do próprio conhecimento técnico que os níveis estratégicos podem vir a possuir a respeito da questão, parece absolutamente  improvável acreditar que a rejeição promovida por Alckmin – e sua decorrente declaração – esteja amparada em divergências técnicas qualificadas por parte do tucano ou de integrantes de sua equipe. Com efeito, não houve a publicação de um contraponto, pelo alto escalão do governo, a esse plano apresentado pela SABESP. Houve um simples “não”, sem conteúdo. Em síntese, uma ação de contornos meramente políticos, no sentido mais pobre do termo – uma escolha focada em vetores eleitorais, concebida a partir de uma estratégia de esgotamento dos recursos hídricos para o cruzamento do rubicão da seca sem que a imagem do governador fosse afetada. Um cálculo com muitos riscos, como percebemos agora.

Causa espécie, evidentemente, que um plano tão relevante como esse – que poderia ter sido aproveitado ao longo dos meses seguintes, conforme a crise se tornava mais dramática – jamais tenha vindo a público até a revelação feita pelo Estadão, ontem. Trata-se, evidentemente, de mais um flagrante da incrível falta de transparência da gestão hídrica empreendida pelo Governo do Estado de São Paulo. Daí, então, se torna bem curiosa – e falaciosa – a declaração de Alckmin a respeito da inadequação de uma proposta elaborada em Janeiro – para as condições observadas naquele momento – para a realidade atual, considerando-se que ele foi obrigado a fazer tal discurso ontem em razão do vazamento da notícia (algo que jamais precisaria fazer se ela não tivesse surgido). Ou seja, Alckmin ainda retorce a eventual qualidade do relatório ao retirá-lo de seu contexto original para mostrar a inviabilidade do racionamento para o momento atual.

O caso é extremamente grave exatamente por nos mostrar a eventual fragilidade das posições técnicas a respeito de temas centrais de política pública diante de uma agenda governamental balizada meramente pelo sucesso eleitoral. E isso é especialmente danoso levando-se em conta todas as repercussões essenciais à cidadania a partir de uma situação de escassez crônica de água. Em outras palavras, se são desconsiderados estudos que significaram um extensivo trabalho intelectual de análise e prospecção a respeito das possibilidades de intervenção em nome de saídas que signifiquem apenas os menores danos à imagem de um governante, então vive-se, de um ponto de vista da agenda estatal, um jogo de mera sobrevivência política no qual o cidadão se torna refém de soluções que apenas casuisticamente poderão lhes ser úteis ou republicanas. Se o domínio técnico não possui qualquer relevância – nem em momentos-chaves como esse – temos, assim, uma gestão dotada de expressivas tendências patrimonialistas.

Em outras esferas da federação brasileira, não seria uma hipótese implausível a ideia de que uma situação similar como essa redundaria em uma catarse midiática incontrolável. E não haveria falta de razão para tanto, ainda que a motivação para tanto viesse a ser o partidarismo senil dos principais meios de comunicação contra certos projetos de governo. Imaginemos se, por exemplo, realmente existisse uma crise energética no Brasil e vazasse agora - nesse cenário hipotético, em que, para fazermos um paralelo com a emergência da crise hídrica, estivessemos a pouco mais de dois meses de um black out incontornável para 40% da população nacional em virtude da falência das hidrelétricas - à imprensa um relatório da ANEEL que propusesse um racionamento controlado de energia durante as madrugadas que assegurasse um nível mínimo, mas real, de segurança energética até o fim da estação chuvosa de 2015. Imaginemos, então, que o fundamentado documento fosse rejeitado pela Presidenta, e classificado por ela como "inadequado". Quantas denúncias de dilapidação do espaço público nós ouviríamos ou leríamos nas capas das revistas? Quantas solicitações de CPIs seriam protocoladas? Quantos colunistas demandariam pelo impedimento da Chefe de Governo? Pois é. Sim, o silêncio comunicacional que verificamos na realidade estadual - ainda que precisemos reconhecer a importância da notícia trazida pelo Estadão - é apenas uma outra faceta da esfera pública desconstituída de vontade republicana e preenchida, neste momento, pelo interesse eleitoral autointeressado.

Em síntese, o cidadão paulista, nesse cenário de desamparo, precisa ter sorte de que as deliberações tomadas pelo ator político patrimonialista coincidam, valorativamente, tanto com o desejo dele de permanência no poder como com a sua necessidade republicana como sujeito do espaço público e merecedor de políticas que lhe dignifiquem. No caso da crise da água, já sabemos bem o quanto esses pólos estiveram – e estão, cada vez mais – distantes entre si. Também é esse o abismo que separa um agente político que orienta sua práxis para a reeleição e o outro, o seu negativo, que objetiva impactar positiva e historicamente o domínio público. É essa a distância em unidades astronômicas, por exemplo, entre um Alckmin e um Haddad."

Opinião abalizada



Parece ingenuidade, mas é apenas estupefação.

Como pode a maior emissora do País, os maiores jornais em circulação e a revista semanal mais vendida se unirem para vender aos seus leitores e espectadores a ideia de que houve um escândalo, um crime vergonhoso, na CPI da Petrobras, apenas por que alguns dos depoentes receberam algumas das perguntas que seriam feitas por alguns dos parlamentares?

O que há de ilegal, imoral ou ao menos ilógico nisso? Qual o problema se um diretor da empresa foi treinado por assessores ou técnicos sobre como responder às prováveis perguntas que lhe seriam feitas? O que se espera de um aliado além de apoio e aliança? Alguém impediu que alguma pergunta terrível fosse feita? Algum representante da oposição teve sua palavra cassada?

Os jornalistas da grande imprensa perderam completamente o senso de ridículo, além da remota honestidade? Vocês não tem o mínimo de vergonha na cara? Por que os senhores ainda não foram à merda?

Ah, é. Porque o PT e o Lula e a Dilma não bancaram a regulamentação da mídia, porque eles se acovardaram, preferiram lamber as botas dos tubarões e são uns bostas que impedem que o Brasil puna abusos e mentiras de sua imprensa marrom, ideologizada e mesquinha (diferentemente dos EUA, Inglaterra, França e muitos países ditos desenvolvidos que criaram mecanismos democráticos e juridicamente perfeitos para proteger o cidadão e a democracia).

Mas sabe o que é pior, insuportável? Ver amigos supostamente inteligentes consumindo esse estrume que acham ser informação e vomitando o mesmo esterco pela boca, achando que se trata de uma opinião.

Quer saber? Já que é assim, vou-me embora pra Passárgada. Lá, sou amigo do Rei.
no: http://esquerdopata.blogspot.com.br/2014/08/opiniao-abalizada.html

Cara, eu ganho. Coroa, você perde!


A elite brasileira é intransigente. Não aceita concessões, por menores que sejam. Qualquer pequeno incômodo é tratado como abalo sísmico por seus representantes no poder de Estado, na mídia e em seu habitat natural, o mercado financeiro.

O inofensivo decreto 8.243 é acusado de bolivarianismo. Os gastos federais com assistência social, que correspondem a menos de 4% do Orçamento da União, são apresentados como perigoso risco fiscal. O governo petista não atacou nenhum de seus privilégios, mas quando Dilma sobe a Bolsa cai.

A bola da vez agora parece ser o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e a luta popular por moradia. As ocupações urbanas tiveram um crescimento expressivo desde 2013, motivadas pelo aumento insano do valor dos aluguéis. Isso levou o movimento às ruas e ampliou a pressão sobre o poder público.

Pressão legítima e democrática, que é a forma que se conhece historicamente para o Estado atender os interesses dos mais pobres.

Vieram algumas vitórias. Poucas, aliás. A liberação de recursos para compra de terrenos e financiamento de obras de moradia, a criação de uma comissão para mediação de conflitos em despejos e o aprimoramento de normativas do programa Minha Casa, Minha Vida.

Pronto, foi o suficiente para despertar a ira da turma do eixo Higienópolis - Jardins. O Ministério Público de São Paulo entrou com três ações para investigar os "privilégios" do MTST. Choveram editoriais contra os novos "donos da política habitacional". E, naturalmente, matérias com denúncias e ataques para os mais variados gostos.

E vejam que o MTST não conseguiu sequer arranhar a estrutura da política habitacional brasileira. Suas conquistas foram pontuais. Significaram um fortalecimento tímido da modalidade Entidades do Minha Casa Minha Vida, onde a gestão do projeto e obra é feita pelos futuros moradores, ao invés de empreiteiras. Porém, esta modalidade permanece sendo uma pequena gota no oceano. Mais de 95% das moradias do programa são feitas por meio de construtoras.

O setor imobiliário e da construção civil continua dando o tom e definindo as regras da política habitacional brasileira. Detêm os terrenos e controlam a maioria dos financiamentos públicos do Minha Casa, Minha Vida. São os grandes interlocutores do Estado em todos os seus níveis, até por serem os maiores financiadores de campanha eleitoral do país. Mas os "privilegiados", os "donos da política habitacional" são os militantes do MTST.

As conquistas obtidas pelo MTST de 2009 a 2014, no Brasil todo, não chegam a 8.000 moradias, somando as contratadas e as somente acordadas. Só a MRV Engenharia, nos primeiros dois anos do programa, recebeu financiamento público para 40 mil moradias. Apenas entre 2009 e 2011! E estamos falando de uma construtora das dezenas que recebem financiamento pelo programa. Quem manda mesmo na política de habitação?

Mas para os donos do poder mesmo isso é demais. Resolveram então partir para o ataque. Na vanguarda, como sempre, a revista "Veja", maior especialista em desmoralização sem fatos.

A indústria de escândalos e factoides da revista "Veja" é de uma produtividade inquestionável. Quando há fatos, distorcem e amplificam de acordo com seu interesse. Quando não há os criam. É desnecessário retomar exemplos como o famoso grampo sem áudio no STF ou a entrevista com o líder forjado das manifestações de junho. O jornalista Luis Nassif, em seu dossiê "O Caso Veja", já desmascarou em minúcias o padrão "Veja" de fabricação de mentiras, seus métodos inescrupulosos e suas relações promíscuas com o poder econômico.

Atacar movimentos populares não é novidade para a mídia hegemônica no país. O MST foi seu alvo predileto durante muitos anos. Mas a "Veja" dá sempre um passo além. Faz descaradamente o que os demais fazem apenas nas entrelinhas.

Os argumentos que usou no recente ataque ao MTST são sintomáticos de seu método. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto é uma "indústria de ocupações" por organizar a participação de seus membros com listas de presença. E as ocupações são uma "farsa" porque as pessoas não moram definitivamente nelas.

São casos exemplares do cinismo argumentativo que tem como lema: Cara, eu ganho. Coroa, você perde.

Se o MTST não tivesse nenhum tipo de controle e organização de quem participa seria acusado de descriterioso. Como se organiza por listas e cadastros, para definir legitimamente sua demanda, é acusado de ser "indústria de ocupações".

O caso dos barracos nas ocupações, também ecoado por esta Folha, é ainda mais emblemático. As pessoas que ocupam um terreno normalmente não estavam em situação de rua. Tinham um local anterior, embora muito precário: um pequeno cômodo, um barraco numa área de risco ou uma casa na qual não conseguem mais pagar aluguel.

A metodologia do MTST implica não estimular as famílias a romperem este vínculo precário de moradia. Se as milhares de famílias que participam de ocupações, buscando uma condição mais digna de vida, fossem morar definitivamente lá, com todos seus pertences, o resultado seria a criação em larga escala de novas favelas.

As ocupações têm o sentido de pressão sobre a especulação imobiliária e o poder público para fazer andar a política habitacional, não a favelização. Por isso, a proposta das pessoas não morarem definitivamente nelas. Se o MTST fizesse o contrário seria acusado de "indústria de favelas", "loteador clandestino" etc.

Ou seja, não há saída quando o jornalismo é viciado. Os interesses são impermeáveis aos argumentos. Quando a ordem é atacar e desmoralizar prevalece sempre o cinismo: Cara, eu ganho. Coroa, você perde!
do<http://esquerdopata.blogspot.com.br/2014/08/cara-eu-ganho-coroa-voce-perde.html