domingo, 11 de dezembro de 2011

Todo mundo é bonito





Ana Elisa Ribeiro, Digestivo Cultural

“Não é bem assim, eu sei. O que é bonito para você? Não sei. Não me perguntem o que vejo em todo mundo que me parece prazeroso, mas eu vejo. Melhor: eu tenho visto. Não é sempre assim. Talvez eu não tenha me apercebido de que os detalhes costumam ser melhores do que o conjunto da obra. Às vezes o contrário: o todo é melhor do que as partes, sem ser sequer a soma delas. Não é. E isso sem falar no jeito, no charme ou na ginga, na aura ou no clima, que fazem com que a beleza aumente ou diminua. Isso sem falar que a trilha sonora melhora muita cena. Que o título amplia o sentido do texto. Que a qualidade da tinta nem sempre sustenta o quadro.

Dia desses falávamos, em dois ou três num conversê à toa, dentro de um carro ou numa mesa de bar, não me recordo, sobre o padrão. Não, não era nada disso. Era um almoço pós-trabalho, num restaurante comum em Brasília, quando tivemos tempo de falar de coisas cotidianas. E ali estávamos dois mineiros, um carioca, um paulista e um paraibano falando da beleza, das pessoas e dos delírios de lindeza. Na diversidade de nós mesmos, ali, naquela mesa tão improvável, já fazíamos parte da amostragem propensa aos gostos e às modalizações mais outras. Um paraibano de olhos claros, um carioca muito magro, um paulista de cabelos lisos, um mineiro forte e uma mineira Frida Kahlo. E dizíamos do que a publicidade reforça que a cultura não deixa. Neste mundo de imprudentes padrões A ou B, a nossa existência genotípica desobediente ajuda a atrapalhar as campanhas para que sejamos mais ou menos iguais. Quem não levou uma foto da atriz ao cabeleireiro? Faça assim, por favor? Meusresultados foram sempre trágicos porque meu cabelo é brasileiro, enquanto a atriz era europeia. Quem não invejou um braço, uma perna ou um peito? Mas quem é que traz essas sensações de que o que eu tenho não serve de modelo? Que o digam estas sobrancelhas atípicas, que às vezes querem que eu desbaste... mas só quando não estão na moda. Minha alegria mais sossegada é quando Malu Mader, Patrícia França ou Marisa Monte estão na moda, saem nas capas e dão entrevistas. As sobrancelhas cheias podem dormir em paz, até a próxima novela.

É dizer que bonita é a lourona peituda. É dizer que bacana é o macho polígamo. É dizer que magrelas são preferíveis a gorduchas. É dizer que cabelos lisos são o sonho de consumo de um país inteiro de encaracoladas. É dizer que homens altos estão em falta. É dizer que não gosto de artifícios e mal uso batom. É dizer que homens preferem as carnes aos ossos. E assim fomos tecendo uma tarde inteira de recomeços sobre a beleza.

Se a publicidade reforça um estilo Juliana Paes ou Carolina Dieckman, nossas vidas vão nos ensinando as rechonchudas que comem hambúrguer com batata frita. É na estria que a mulher se confirma? Não. É na celulite, muito desconhecida dos rapazes, que não sabiam nem diferenciar coisa de outra. São aquelas rajadas ou aquelas bolinhas? Eu quero é pegar.

E lá íamos nós atravessando as bonitezas todas, quando chegamos à negação do padrão publicitário. Sentimos muito, Gisele, mas a minoria é só no banheiro. Aqui pra nós só vemos coxas que balançam e peitos de todos os tamanhos e jeitos. Caímos na gargalhada ao lembrar que sobrancelha 
Todos.”
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